
No pequeno e silencioso quarto azul, olhando enlevada para o rostinho do filho adormecido, a jovem mãe delineia e imagina em sua mente, a "alma luminosa" de seu pequenino filho. Em sua mente amorosa e fértil, ela idealiza com o seu imaginário e inspiração, o futuro promissor e abençoado do amado filho.
O fluxo destes pensamentos maternos são extraídos dos seus devaneios mentais, e de sua relação com sua consciência e seus sentimentos. Seus apaixonados sonhos maternos, representam o extrato de algo muito especial, que ela tudo fará para transformar em algo real, de rara beleza e perfeição.
Para a jovem mamãe, em contato sutil com suas complexas subjetividades, o futuro será o tempo da gloria de seu filho e a premiação da sua dedicação materna. Ela pensa: “ele é lindo, crescerá com muita saúde e inteligência, se transformará em um ser humano maravilhoso, que generosamente ajudará as pessoas, liberando emoções positivas, sensações boas e sentimentos nobres.Meu filho será um homem muito especial, sem indiferença ou egoísmo, ele será um líder nato, que compartilhará as benfeitorias e riquezas do mundo entre todos".
As mães sonham...e sonhar é humano. As mães se apaixonam por seus pequeninos filhos...e, é através da admiração, que nasce o mais profundo afeto de um ser humano por outro. As mães sonham sempre com filhos perfeitos e vencedores, e, mesmo que a realidade seja o contrário elas fantasiam...buscam desculpas...sublimam...e sublimar é a condição inata da criativa arte da “maternagem” .
Neste texto,sublimar faz parte da arte da maternagem. Mas, o que vem a ser Sublimação e o que se desenha neste texto, a partir da junção das palavras, "Arte da maternagem"?
Arte (Latim Ars, significando técnica e/ou habilidade de realizar algo criativo e belo). Aqui,a maternagem pode ser entendida como uma singular atividade humana ligada a manifestações de ordem afetiva, feita pela mãe a partir da sua percepção, emoções e idéias, com o objetivo de amar, amparar, cuidar, apoiar e educar o filho. A arte da maternagem está por todos os cantos da vida familiar. O ser que faz a arte da maternagem é definido como mãe. A mãe exercita a arte da maternagem segundo seus sentimentos, suas vontades, seu conhecimento, suas idéias, sua criatividade e sua imaginação, o que deixa claro que cada ação e reação da arte da maternagem é uma forma de interpretação da vida pela mãe.
O conceito de Sublimação, foi introduzido no panorama do comportamento humano com o advento da Psicanálise. Entendemos aqui, que a arte da maternagem é percebida como algo simbólico da Sublimação do incondicional e forte amor materno.
Freud criou a noção de Sublimação a partir da indicativa de que para existir a civilização houve a "necessidade" de sublimar os instintos. A sublimação na obra freudiana tem o "estatuto de passagem" funcionando sempre como argumento para demonstração de um outro conceito. Ou seja, Freud jamais construiu uma “teoria da sublimação".
Freud, se ateve nesta exposição com ênfase na questão da sublimação da pulsão sexual. A definição de sublimação dada por Freud em 1914 é a seguinte: "A sublimação é um processo que concerne a libido de objeto e consiste no fato de que a pulsão se dirige para um outro objetivo, distante da satisfação sexual; o que é acentuado aqui é o desvio que distancia do sexual".
Freud usa a Sublimação para designar a mudança de um estado psíquico para outro através de uma "transformação" de uma certa pulsão, a pulsão sexual. A sublimação é algo simbólico de "quando se consegue intensificar suficientemente a produção de prazer a partir das fontes do trabalho psíquico e intelectual". Segundo ele, tais satisfações parecem mais refinadas e mais altas. Como diz ele em seu livro "O Mal Estar da Civilização" a intensidade da sublimação "se revela muito tênue quando comparada com a que se origina da satisfação de impulsos instintivos grosseiros e primários; ela não convulsiona o nosso ser físico". Diz ainda: "A sublimação do instinto constitui um aspecto particularmente evidente do desenvolvimento cultural; é ela que torna possível às atividades psíquicas superiores, científicas, artísticas ou ideológicas, e o desempenho de um papel tão importante na vida civilizada como o exercido pela mãe. Essas pessoas se tornam independentes da aquiescência de seu objeto, desviando-se de seus objetivos sexuais e transformando o instinto num impulso com uma finalidade inibida."
Freud, em seus raros momentos de real dúvida, fala sobre a sublimação e a pulsão sexual: "Às vezes, somos levados a pensar que não se trata apenas da pressão da civilização, mas de algo da natureza da própria função (sexual) que nos nega satisfação completa e nos incita a outros caminhos. Isso pode estar errado; é difícil decidir."
Acredito que a atividade aqui denominada de maternagem é aquela em que há um acesso controlado de conteúdos do próprio inconsciente, inconscientemente, havendo quase que uma passagem sublime de uma instância à outra.
Jung, que foi quase ao mesmo tempo um grande afeto e desafeto de Freud ao longo de sua vida, não se harmoniza com a idéia de Freud de sublimação. No seu livro "A Natureza da Psique" - mais precisamente no capítulo "Psicologia Analítica e Cosmovisão" - Jung fala de sonhos, repressão, arte, e sintomas: "Em si, o sonho é uma função normal que pode ser perturbada por represamentos, como qualquer outra função. A teoria freudiana dos sonhos considera, e até mesmo explica, os sonhos exclusivamente sob este ângulo, como se nada mais fossem do que meros sintomas. Outros campos da atividade do espírito, como sabemos, são tratados da mesma maneira pela psicanálise.
A sublimação dos primitivos instintos da mulher ocorre em prol da consolidação e harmonização da forte figura da mãe, pronta a doar a própria vida em benefício da vida do filho. A ação determinada e sempre presente da mãe, objetivando o perfeito desenvolvimento do filho, é uma adequada obra-da-arte-da-maternagem, uma genuína criação. A arte da maternagem, enquanto uma atividade amorosamente criativa, só pode ser entendida a partir de si mesma.
Em relação ao intenso e sublime amor presente na arte da maternagem, e de outros singulares afetos humanos capazes de plena doação e dedicação, Jung remete tudo isso à uma força criadora e propulsionadora existente em todos nós. Diz ele: "Se atribuímos uma poesia de Goethe a seu complexo materno, se procuramos explicar Napoleão como um caso de protesto masculino e um São Francisco de Assis como um caso de repressão sexual, apodera-se de nós um profundo sentimento de insatisfação. Esta explicação é insuficiente, não faz justiça à realidade e ao significado das coisas. O que são, afinal, a beleza, a grandeza e a santidade? São realidades de suma importância vital, sem as quais a existência humana seria tremendamente estúpida. Qual é a resposta correta para o problema de tantos sofrimentos e conflitos inauditos? A verdadeira resposta deveria tocar uma corda que nos lembrasse pelo menos a grandeza do sofrimento." Ainda completa: "Presenciei muitos casos em que fantasias sexuais anormais desapareceram súbita e completamente no momento em que uma idéia nova ou um conteúdo novo se tornaram conscientes, ou em que uma enxaqueca cessou inteiramente de repente, assim que o enfermo se tornou consciente de um poema inconsciente."
Logo depois, ele fala algo da maior importância: "Da mesma forma que a sexualidade pode exprimir-se impropriamente através de fantasias, assim também uma fantasia criadora pode exprimir-se impropriamente através da sexualidade."
A singular arte da maternagem pode ser considerada repleta de atos sublimados? E, por que não? O prazer obtido pela mãe, com a presença afetuosa e sorridente do filho pode ser considerado um prazer substituto a um prazer sexual?
Certamente, deve ser considerado como um prazer de "ordens" ou de qualidades diferentes, assim como é prazeroso e diferente se apreciar um cheiro de um incenso, ou se comer um chocolate ao invés de uma pizza, se ouvir rock ou um bom jazz. Tudo vira uma questão de qualidades de ordens diferentes.
Enfim, o amor materno incondicional e sublimado é livre e independente, portanto, jamais poderá ser considerado como um mal-entendido afetivo, ou também explicado como uma neurose obsessiva materna.
(SME)

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